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Oswaldo Lamartine – O grande sertanista do Seridó

Oswaldo Lamartine - O grande sertanista do Seridó

Oswaldo Lamartine Monteiro de Faria nasceu em Natal-RN em 15 de janeiro de mil novecentos e dezenove. Filho do Dr. Juvenal Lamartine e de Dona Silvina Bezerra era o caçula de dez irmãos e irmão do engenheiro Octávio Lamartine, promessa e esperança do Seridó, assassinado na fazenda Ingá, Acari, em 1935. Foi alfabetizado em 1927 pela professora Belém Cândida e em 1928 cursou o Primário no Colégio Pedro II do professor Severino Bezerra em Natal 1928 -1930. Em 1931 foi para Pernambuco cursar o Ginásio do Recife – de 1931 a 1933 e depois no Instituto La Fayette, Rio, 1933-1936.E de 1938 a 1940 fez o Técnico Agrícola na Escola Superior de Agricultura de Lavras-MG. Em 1955 fez a faculdade de Agronomia na UFRN.

Foi professor na Escola Doméstica de Natal e na Escola Técnica de Jundiaí/RN e realizou trabalhos agrícolas no Rio de Janeiro, no Maranhão e no RN até 1954. Serviu o Brasil na 2º Guerra Mundial e em 1955 ingressou no BNB aí ficando até se aposentar. Administrou as fazendas Lagoa Nova, de seu pai e a fazenda Acauã, sua; ambas no município de Riachuelo.Além de ser engenheiro agrônomo fora um renomado escritor, pesquisador, etnógrafo, telúrico devotado as coisas do campo, a sua terra. Casou duas vezes e teve dois filhos. Suicidou-se em 28 de março de 2007 em Natal estando na ocasião com 87 anos de idade.

Oswaldo fora apontado por Rachel de Queiroz e Ariano Suassuna como sendo o maior sertanista brasileiro do seu tempo. Aliás Rachel de Queiroz o consultara sobre coisas, usos e costumes do sertão para poder escrever sua obra, o Memorial de Maria Moura. Também Câmara Cascudo, na dúvida, o consultava sobre temas do Seridó não obstante ter sido ele, Cascudo, o mestre a despertar no jovem Oswaldo o interesse por aquilo que antes ele “espiava, espiava e não via.” e que o iria envolver por toda a vida.A primeira vez que ele se interessara para tomar notas acerca das coisas do sertão foi quando administrara a Fazenda Lagoa Nova, de seu pai, em fins de 1940 levado pelo que via e pelas leituras que fazia, inclusive da obra de Cascudo. A partir de então se apaixonou pelos sertões e começou a tomar notas de tudo quanto lhe interessava: caça, pesca, construção de açude, conservação de alimentos, as abelhas do Seridó, ferros de ribeiras e muito mais. Seu primeiro livro foi “A Caça nos Sertões do Seridó”(1961); depois vieram os outros, uma série, até culminar no clássico: Sertões do Seridó(1980).

Com sua prosa coloquial, bucólica e muitas vezes poética também escrevia num jeito cativante, uma literatura sertanista envolvente de onde se depreende através de toda uma carga de lirismo inebriante todo um universo oswaldiano de caráter telúrico numa constante declaração de amor a terra, a engendrar uma concepção de sertão totalmente oswaldiano:
“ Cada vivente tem o seu sertão. Para uns são as terras além do horizonte e para outros o quintal perdido da infância. É o interior mais distante. As entranhas da terra.” (Este é o meu sertão. – O Sertão de Oswaldo Lamartine).

E este sertão da infância, dos tempos de menino, do menino Oswaldo, vivido no chão do Seridó que a contemporaneidade com seu progresso e modernidade faz desaparecer fisicamente cada vez mais, não é porém capaz de apagá-lo de todo, porque não alcança nem jamais atingirá as entranhas da memória do sertanejo que amou um dia e sempre amará a sua terra, daí que, conforme dele disse Vicente Cerejo:
“Nasceu escritor para registrar seu mundo com medo de vê-lo cair no esquecimento quando, morta sua paisagem, morressem seus vaqueiros e pescadores de açudes, suas árvores e seus bichos, seus hábitos e seus costumes. A partir daí, saiu registrando tudo,…” (A Caça nos Sertões do Seridó)
Seu sertão mora no interior, como disse: “…o interior mais distante”. No interior das lembranças de menino sertanejo, nascido e criado entre terras, ares e costumes do Seridó de antanho; e que, fisicamente falando, é talvez hoje o “sertão de nunca mais”, somente existente nas miragens, lembranças e memórias dos sertanejos autênticos, guardado no sacrário do peito e também em algum lugar do “quintal perdido da infância” donde saltam para reviver mediante a evocação da memória na arte dos contadores da história para regalo de nós, seus leitores/ouvintes.

E ele, exímio contador, soube narrar muito bem, melhor que ninguém de como foi tudo aquilo naquelas paragens, aquelas coisas bonitas, singelas, edificantes e encorajadoras, agora esquecidas de tantos.Gostava mesmo de deixar-se estar a ver, ouvir, apreciar as maravilhas da sua terra, naquele pedaço de chão seu, seu “lenço de terra”– como dizia, para só então poder brindar-nos com descrições magníficas como estas:
“ Apartado o inverno os rios também se apartam em filetes d’água que morrem depois em escassas poças. De sol em sol, de poça em poça, míngua a água(…) Daí a precisão de guardar água. (…) E quando tapado, se espraia em lago guardando as águas daqueles dias. É o açude:
Espia-se a água se derramando líquida e horizontal pela terra a dentro a se perder de vista. As represas esgueiram-se em margens contorcidas e embastadas, onde touceiras de capim de planta ou o mandante de hastes arroxeadas debruçam-se na lodosa lama. O verde das vazantes emoldura o açude no cinzento dos chãos. Do silêncio dos descampados vem o marulhar das marolas que morrem nos rasos. Curimatãs em cardumes comem e vadeiam nas águas beirinhas nas horas frias do quebrar da barra ou ao morrer do dia. Pato verdadeiro,putrião e paturi grasnam em coral com o coaxar dos sapos que abraçados se multiplicam em infindáveis desovas geométricas. Gritos de socó martelam espaçadamente os silêncios. O mergulhão risca em rasante vôo, o espelho líquido das águas. Garças em branco-noivo fazem alvura na lama. É o arremedar, naqueles mundos, do começo do mundo…” . ( A água – O Sertão de Oswaldo Lamartine)

Vivia também catando livros raros nos sebos do Rio de Janeiro quando lá morou e continuou catando livros nos sebos de Natal quando retornou ao Rio Grande do Norte, donde afluíram novas e duradouras amizades como com o sebista e editor Abimael Silva. Eram apaixonados por livros também. Tal era a tríade de suas paixões: os animais, os livros e seus sertões.
Amante da natureza e dos animais estava sempre acompanhado de seu cão Parrudo na Fazenda Acauã em Riachuelo, recanto sagrado por ele escolhido para o descanso no fim da vida; onde o IBAMA soltava os pássaros e outros bichos apreendidos. Amou tanto os animais que quando faleceu, durante as exéquias feito pelo padre e amigo João Medeiros, enquanto este pronunciava as palavras finais surtiu ali uma revoada sobre o cemitério naquela manhã. Era a despedida dos que ele amou e de todos que lhe amavam, pois como dele disse seu amigo Abimael Silva:“Muito antes de Brigitte Bardot e os ecologistas, Oswaldo amava a natureza e os animais!”
E naquela fatídica manhã de 28 de março de 2007 foi-se, encantou-se, indo a galope montado na onça caetana o magro querido dos sertões do Seridó, sertanista enamorado dos sertões de sua meninice, dos sertões da perdida infância para os sertões de nunca mais de dentro de cada um de nós a palmilhar amorosamente os prados e panascos dourados dos sertões celestiais.

Autor: Damião Siridó

REFERÊNCIAS:
Calendário Histórico Potiguar e Seridoense – Adauto Guerra Filho
O Sertão de Oswaldo Lamartine – Leituras Potiguares – fascículo 11
A Caça nos Sertões do Seridó – Oswaldo Lamartine de Faria
Ferro de Ribeiras do Rio Grande do Norte – Oswaldo Lamartine de Faria
Sertões do Seridó – Oswaldo Lamartine de Faria

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